segunda-feira, 25 de junho de 2012

Biografia de Cenyra Pinto


Cenyra Pinto nasceu em São Fidelis, interior do estado do Rio de Janeiro, a 25 de novembro de 1903 e estaria este ano completando cem anos.

Rompendo o bloqueio de um pai bom, simples, mas conservador, e as
limitações impostas pela vida numa pequena cidade do norte fluminense,
nas primeira décadas do século passado, Cenyra Pinto despertava ainda
jovem o seu potencial interior participando de atividades sociais e
literárias.

Foi assim que, aos de vinte anos, já escrevia para vários jornais do estado, dois de sua própria cidade, A Notícia do Rio de Janeiro e uma revista que fazia muito sucesso na época, Jornal das Moças.

Cenyra soube superar a precariedade de sua educação com aplicação,
passan-do com louvor em todos os exames e se revelando desde mocinha
uma surpreendente oradora – uma novidade na época e ainda hoje uma
proeza. Sempre que o pai recebia convites para solenidades, ela era
convidada para usar a palavra e impressionava a todos com sua oratória
precoce. Pelo menos na sua cidade, foi a primeira mulher a falar na
tribuna de uma casa maçônica, recebendo sempre aplausos intensos e
intermináveis no final de seus discursos.

“Manifestou-se desde cedo – diz ela em suas memórias – minha
tendência ao ecumenismo: igreja católica, maçonaria, esoterismo, igreja
batista, solenidades sociais…”. Onde convidavam, lá estava ela,
sempre acolhida com carinho e muitos aplausos. “Só faltou o Espiritismo
– completa – que naquele tempo ninguém sabia nada a respeito”, pelo
menos no interior.

Depois que conquistou seu espaço, começou a trabalhar fora,
escapando ao controle do pai, exercitando sua capacidade de afirmação e
definindo sua personalidade independente. Havia perdido a mãe aos
dezesseis anos, mas soube superar, não só a perda, como um novo
casamento do pai, que só trouxe decepção para ele e transtorno para a
pequena família sem mãe. Desde cedo conviveu com os problemas mais
variados, emocionais e econômicos. Justamente quando mais precisava de
orientação, estava entregue a si mesma, tendo de cuidar de uma irmã
mais nova, mas – diz ela – foi assim que Deus me preparou para
enfrentar a vida como era preciso.

Embora tivesse apenas o quarto ano primário, aprendeu
contabilidade, trabalhava como auxiliar de escritório e já escrevia
suas crônicas. Exatamente nessa época, ela confessa que começou a ver a
vida por outro ângulo. “Eu vivia de uma forma e agora começava a dar
forma àquilo que estava dentro de mim.” Aos poucos – ela lembra – “fui
me descartando das personalidades repressoras que me revestiam e me
faziam viver escondida em meus porões, sem me assumir.”

Refletindo as crônicas espirituais que escreveria muito mais tarde
com enorme repercussão em todo o país, sentia que sua personalidade se
definia, fixava seus objetivos – coisa rara na época para sua idade e
sua condição feminina – expandia os horizontes de sua mente e pensava
sem receio de autoridade, limitando-se apenas à consideração do
necessário respeito.

Mudança para o Rio de Janeiro

Aos 25 anos Cenyra Pinto estava casada com o único amor de sua
vida, depois de namoricos de interior e um primeiro noivado sem amor
para sair de casa. O marido, contador, se tornou sócio de seu pai e com
ele fundou, ainda em sua cidade, um colégio para ensinar contabilidade
e datilografia. É claro que o colégio tinha um hino: “Quem quiser
ganhar a vida, com asseio e sem rigor, e manter a fronte erguida, não
precisa ser doutor… basta ser bem diplomado pelo Colégio Cenyra.”

Com a famosa crise do café nos anos trinta, os negócios pioraram e
a casa co-mercial do pai foi à falência. Em busca de trabalho, o casal
se mudou então para a capital. Instalada no Rio de Janeiro, Cenyra teve
seu único filho e começou nova fase de sua vida difícil, mesmo com o
marido já bem empregado como contador numa grande loja. Foram muitas
anos de árdua luta pela sobrevivência, morando em pensões familiares
com mudanças freqüentes, até finalmente conseguir sua própria casa.

Mediunidade descontrolada

Acometida de grande estafa, pelas dificuldades que experimentavam,
Cenyra caiu em profunda prostração. Parou de trabalhar e passou,
durante um ano inteiro, por doze médicos que se diziam especialistas,
sem nenhum resultado. Católica não-praticante e com “um medo louco de
espiritismo”, resolveu procurar um centro, diante da insistência de
alguns amigos.

Muito espantada, ouviu a resposta de sua consulta: – “Você não tem
doença nenhuma, seu mal é mediunidade descontrolada”. Mais espantada
ainda, ouviu, na terceira sessão de passes, nova orientação: – “Venha
amanhã para desenvolvimento de psicografia.” No dia seguinte, deu o
maior vexame, chorando alto, sem conseguir parar, até o final da
reunião.

Estava disposta a jamais voltar ao centro, mas melhorou tanto que
mudou de idéia e lá estava de novo. “Não se preocupe. Era preciso
acontecer. Amanhã, vem e quando ouvir a campanhia, pegue o lápis…”

Na terceira sessão, depois de suores gelados, rosto pegando fogo e
enchendo a folha de rabiscos, sem nada compreender, escreveu no
entanto, tranqüilamente, uma mensagem com a primeira assinatura de seu
guia. Estava curada e voltou a se inte-ressar pela vida.

Cenyra deixou de freqüentar o centro porque ninguém explicava a
razão daquele fenômeno – a psicografia. “Nunca ouvi falar de Kardec e
ignorava que houves-se uma literatura explicando tudo… certamente a
parte de evangelho seria em outras reuniões.”

Primeiro livro

Com todas essas limitações, numa vida cheia delas, Cenyra não só
superou o medo do espiritismo como se tornou uma médium disciplinada,
continuou escrevendo e guardando o que escrevia. Foi quando encontrou
uma amiga que sugeriu uma visita à Fraternidade Rosa Cruz. O dirigente
era um médico homeopata e, por incrível que pareça, o mesmo com quem se
tratava na época de um problema na vesícula. Assistindo a uma primeira
reunião, não viu nada que correspondesse ao que buscava, mas teve
naquela noite um sonho que a levou impressionada de volta ao médico.

Ele recomendou que continuasse a escrever. Confiante, comprou uma
máquina portátil, escrevia as mensagens e as colecionava. Assim surgiu
o primeiro livro. Ela mesma mandou imprimir uma edição de cem
exemplares, que foi oferecida à fraternidade para que a venda
beneficiasse uma instituição de crianças. Com toda simplicidade e
amadorismo, estava no entanto definitivamente delineada a trajetória de
sua produção literária e os serviços sociais a que dedicaria toda a sua
longa existência.

Embora intitulado Uma voz no silêncio, mais alguns anos e essa voz seria ouvi-da em todo o país, numa coleção de livros com uma ordem significativa: Levanta-te a anda, Vem!…, Eu sou o caminho, A verdade e a vida, Conversa com a vida.

Música, shows, teatro: arte e caridade

Mas a voz não ficou só nos livros. Um dia, enquanto tomava banho,
começou a cantar sem querer o que lhe pareceu um hino. Saiu do banho,
cantou de novo e gravou: era Quanta luz, o hino que dentro de
alguns anos estaria sendo cantado em centros espíritas, igrejas
católicas, reuniões recreativas, peças teatrais, casamentos,
sepultamentos e até em trabalhos de cirurgia espiritual.

Depois de Quanta luz, recebeu outros hinos, que foram reunidos, arranjados, produzidos e gravados num LP – Vozes do Templo – mais tarde disponível em CD.

Após uma noite em que quase não dormiu, Cenyra acordou o marido
dizendo que ia fazer um show para ajudar uma instituição espírita que
estava em apuros – a Ação Cristã Vicente Moretti. “Você está doida?” –
foi a reação do marido – “Como vai fazer isso?” O show foi realizado
com sucesso, salvando a instituição do pior e marcou o início de muitos
outros shows beneficentes, abrindo caminho para a ence-nação de uma
peça de teatro – Nos domínios da mente – recebida por Cenyra
como um jorro em duas horas e meia de escrita e que foi encenada com
grande sucesso, tendo em vista o elevado nível de ensinamentos
filosóficos, relatando a evolução do ser humano em sua trajetória pela
vida. Escreveria, a seguir, outra peça, também de sucesso, intitulada A última lágrima.

Durante mais de uma década, conseguiu alcançar um grande público em
diversas apresentações, sendo que as rendas obtidas naquelas ocasiões,
assim como as demais decorrentes de suas atividades literárias, foram
sempre distribuídas pessoalmente por ela e um grupo de amigos que
integravam o Movimento Assistencial Roda do Amor (MARA), por ela criado
e dirigido, a entidades que protegiam os hansenianos, deficientes
físicos e visuais, portadores do fogo selvagem e grupos carentes
di-versos, independente de suas crenças religiosas, razão pela qual o
médium Chico Xavier a cognominou “a Seareira do Bem”.

Cenyra Pintou desencarnou na cidade do Rio de Janeiro, em 16 de setembro de 1996, aos noventa e três anos.

Para a centenária memória de Cenyra Pinto, a difícil arte de fazer
a caridade com alegria e espontaneidade acabou dando uma canja – como
dizem os artistas – para a arte mesmo de representar o bom, o bem e o
belo, através da música, da poesia, do teatro e da alegria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário