segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Biografia de Frederico Fígner

Israelita de nascimento viveu no lar paterno os preconceitos de sua raça contra o Carpinteiro   de Nazaré.   Na   verdade,   porém, Fígner, como muitos outros judeus, não tinha religião alguma.  Foi no Brasil e quando já negociante próspero, com seu estabelecimento comercial e industrial no Rio de Janeiro e uma sucursal em São Paulo, que Fígner foi chamado a conhecer a verdade. Nos últimos anos do século passado ou nos primeiros deste século, Fígner travou relações de amizade com Pedro Sayão, filho  do saudoso doutrinador Antônio Luís Sayão, pai da célebre cantora Bidu Sayão. Pedro Sayão, durante cerca de dois anos, lhe freqüentava a loja e palestrava sobre Espiritismo e  Cristianismo, sem que Fígner se impressionasse muito pelo assunto; porém, numa de suas visitas ao seu estabelecimento de São Paulo, Fígner ouviu a dolorosa história de um seu empregado, cuja esposa se achava gravemente enferma e necessitada de melindrosa intervenção cirúrgica. Ao regressar ao Rio, Fígner pediu a Pedro Sayão lhe obtivesse receita para cura da enferma de São Paulo. Veio a receita e a cura da doente, sem intervenção alguma dos médicos. Foi esse fato que inclinou Fígner a favor do Espiritismo.

Já impressionado com a cura da doente mediante uma receita mediúnica, Fígner foi procurado em sua loja por um pobre, pai de família desempregado, em penosa situação econômica. Ouviu-lhe o relato de suas aflições, deu-lhe um pouco de dinheiro e disselhe que voltasse oito dias mais tarde. Ao sair o necessitado, pela primeira vez na vida Fígner fez um pedido ao Carpinteiro de Nazaré: "Se é como dizem os cristãos que Tu tens poder, ajuda a esse pobre pai de família; arranja-Lhe trabalho e meios de vida!"  Oito dias mais tarde, voltava o homem com   o   sorriso   dos   felizes   e   lhe   narrava:   "Já estou trabalhando e brevemente virei restituir seu dinheiro, Sr. Fígner. Fui procurado por uma pessoa que me convidou para um emprego inteiramente inesperado".

Fígner se entusiasmou e repetiu semelhantes pedidos, com resultados sempre positivos. Em vez de pedir a Jesus, passou a pedir a Maria e igualmente os resultados não se faziam esperar. Encheu-se de fé que transporta montanhas e estudou com entusiasmo o Espiritismo e o Cristianismo. Passou a consagrar sua vida ao serviço dos outros.

Não se sabe ao certo quando se deu essa conversão, mas em 1903 já se encontram vestígios das atividades espíritas de Fígner na Federação Espírita Brasileira.  Por ocasião da gripe "espanhola ", em 1918, com 14 doentes em seu próprio lar e ele mesmo adoentado e febril, passava os dias inteiros na Federação, atendendo a doentes e necessitados que lá iam, em avalanches, buscar recursos para situações aflitivas.

Sua vida normal durante longos anos consistia em ir de manhã e a tarde à Federação tomar ditados de receitas de diversos médiuns, chegando a tomar 150 a 200 receitas por dia e a dar passes em numerosos doentes. Levantava-se às cinco horas da manhã e, antes de ir à loja, ia à Federação, de onde só saía quando terminava esse serviço de tomar ditados de receitas. Às quatro horas da tarde lá estava de novo para orar e dar passes emdoentes. E curava mesmo os enfermos, pois que seus "fregueses", como ele lhes chamava na intimidade, cresciam sempre de números.

 Como propagandista da Doutrina, manteve sempre uma seção no "Correio da Manhã"
que era lida no País todo. Em 1921 polemicou com o Padre Florêncio Dubois pela
"Folha do Norte ", do Pará. Promoveu a publicação de muitos livros, custeando as
edições. Foi à Inglaterra visitar o célebre "Circle of Crew", onde o médium Willy Hope
obtinha as famosas fotografias de extras; visitou, então, Sir Arthur Conan Doyle e
outros grandes vultos do Espiritismo inglês.
 Em 1920 perdeu a filha primogênita, e sua esposa ficou inconsolável. Ouvindo ele falar
da médium de materialização D. Ana Prado, de Belém do Pará, decidiu-se a partir para
o Norte. No dia 1º de Abril de 1921, embarcou com toda a família. O que sucedeu
naquelas sessões acha-se relatado no livro do Dr. Nogueira de Faria, intitulado O
Trabalho dos Mortos, pela senhora D. Esther Fígner, esposa de Frederico Fígner, a qual,
apenas regressando das sessões e assistida por sua filha Leontina, escrevia relato
minucioso de tudo que ocorrera.
 Frederico Figner nasceu na madrugada de 2 de Dezembro de 1866, na casa humilde de
n.º 37 da rua Teynska, em Milevsko, perto de Tabor, Tchecoeslováquia, então Boêmia e
parte do Império austro-húngaro.
 Era, portanto, compatriota de outro missionário que como ele vinha cumprir sua tarefa
no Brasil, durante longa existência como  brasileiro, entre os melhores, Francisco
Valdomiro   Lorenz,   nascido   em   Zbislav,   perto   de   Tcháslav,   e   chegado   ao   Brasil   dois
anos depois de Fígner. Ambos vinham da Pátria dos grandes mártires do Cristianismo,
João Huss e Jerônimo de Praga, divulgar aqui os ideais superiores que conduziram os
dois heróis aos tormentos da Inquisição. Fígner e Lorenz gravitaram para a Federação
Espírita Brasileira que era muito jovem quando eles chegaram ao Brasil. Fígner venceu
galhardamente a escorregadiça e perigosa prova da riqueza, Lorenz venceu com igual
bravura os tormentos da pobreza e se tornou um dos mais cultos esperantistas do
mundo, com várias obras publicadas.
 Filho de pais pobres, Fígner tinha que imigrar para o Novo Mundo, como faziam os
jovens da Europa Central, naquele tempo. Aos treze anos sai do lar paterno e vai para a
cidade de Bechim aprender um ofício. Em 1882, aos 16 anos, deixa definitivamente a
terra natal. Parte com sua maleta de emigrante par Bremershafen, de onde, a bordo do
vapor "Elbe" (como passageiro de terceira classe) , ruma para os Estados Unidos só
levando dinheiro para a travessia. Contava Fígner um pormenor interessante dessa
viagem . Sua mãe fizera e lhe dera para a viagem uma trança de pão doce. Chegando a
bordo, nota que a alimentação de terceira classe é absolutamente insuportável. Divide
então o seu pão doce, de sorte a bastar para todo tempo da travessia que durou 14 dias.
Foi essa a sua única alimentação durante duas semanas.
 Levava como modelo de conduta a tenacidade dos pais. Era o exemplo a imitar para
vencer na vida.
 Uma tempestade violenta foi o único incidente da travessia, mas foi-lhe rude a luta para
adquirir estabilidade econômica de sorte a manter-se e ajudar os pais e irmãos. Estados
Unidos, México, América Central e, finalmente, América do Sul, foram seus campos deluta econômica. No Brasil, esse filho de Israel encontrou sua Canaã . Estabeleceu-se,
prosperou, conheceu uma jovem de peregrinas virtudes e alma de artista, D. Esther de
Freitas Reys, filha de família ilustre.
 Em 1897, Frederico Fígner e D. Esther de Freitas Reys fundavam, pelo matrimônio,
seu lar feliz. Recebia ele o prêmio de suas grandes lutas de trinta anos, mas não sonhava
repouso, que não era ideal de seu caráter vibrante. Desse feliz enlace nasceram seis
filhos: Rachel, Aluízio, Gabriel, desaparecidos do mundo antes do venerado genitor;
Leonilda, Helena e Lélia, muito devotados ao seu velho pai.
 O serviço de Figner nas obras de assistência e no trabalho profissional afastava-o muito
do lar, mas isso não prejudicava o cultivo de um afeto extremo entre pai e filhos.
Amavam-se com ardor e respeitavam reciprocamente as idéias e crenças particulares de
cada um.
 Ainda nos últimos dias de sua vida, distribuía ele principescamente donativos por
instituições e pessoas pobres de sua amizade, guiando-se pelo coração e nem sempre
pelo cérebro, e só respeitando a fortuna das filhas.
Trabalhou e serviu abnegadamente até que a enfermidade o prendeu ao leito, poucos
dias antes da partida. Completou oitenta anos em 2 de Dezembro de 1946, e em 19 de
Janeiro de 1947, às 20 horas, partiu para o mundo espiritual, deixando abertos caminhos
de luz sobre a Terra que pisara por tanto tempo.
 Ao funeral compareceu uma multidão de amigos e admiradores. Diante da câmara
mortuária, o Presidente da Federação pronunciou palavras de despedida e o VicePresidente fez uma prece. Ao descer o ataúde ao jazigo, no Cemitério de São Francisco
Xavier, falaram com sentimento os Drs. Miranda Ludolf, Lins de Vasconcellos e o
Capitão Silva Pinto.
 A Federação Espírita Brasileira, após a morte de Fígner, publicou-lhe alguns dos
escritos no livro intitulado - "Crônicas Espíritas ".
Grandes Espíritas do Brasil. FEB

Cristo nasceu? Onde? Quando?

Marta Antunes Moura





São indagações que compõem o título de belíssima página doutrinária escrita pelo espírita Pedro de Camargo (1878-1966), mais conhecido como Vinícius, encontrada em seu livro Em Torno do Mestre, publicado pela FEB em 1939, cuja última edição, a nona, data de 2009. Com admirável criatividade, o autor analisa o significado e o contexto do nascimento do Cristo, utilizando a entrevista como recurso literário, então direcionada a sete conhecidas personalidades do Evangelho, tendo como referência este registro evangélico:

O verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade, e vimos a sua glória como de unigênito do Pai. Mas a todos os que o receberam, aos que creem em seu nome, deu Ele o direito de se tornarem filhos de Deus; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. (João, 1:4.)
A íntegra da entrevista deVinícius, com destaques nossos, é a que se segue:

Perguntemos a Paulo – onde e quando Jesus nasceu? Ele nos dirá: Foi na estrada de Damasco, quando eu, então intolerante e fanatizado por uma causa inglória, me vi envolvido na sua divina luz. Dali por diante – “já não sou eu mais que vive, mas o Cristo é que vive em mim”.

Indaguemos de Madalena, onde e quando nasceu Jesus. Ela nos informará: Jesus nasceu em Betânia, certa vez em que sua voz, ungida de pureza e santidade, despertou em mim a sensação de uma vida nova, com a qual, até então, jamais sonhara.

Ouçamos o depoimento de Pedro, sobre a natividade do Senhor, e ele assim se pronunciará: Jesus nasceu no átrio do paço de Pilatos, no momento em que o galo, cantando pela terceira vez, acordou minha consciência para a verdadeira vida.Daí por diante, nunca mais vacilei diante dos potentados do século, quando me era dado defender a Justiça e proclamar a verdade, pois a força e o poder do Cristo constituíram elementos integrantes de meu próprio ser.

Chamemos à baila João Evangelista e peçamos nos diga o que sabe acerca do natal do Messias, e ele nos dirá: Jesus nasceu no dia em que meu entendimento, iluminado pela sua divina graça, me fez saber que “Deus é amor”.1

Dirijamo-nos a Zaqueu, o publicano, e eis o seu testemunho: Jesus nasceu em Jericó, numa esplêndida manhã de Sol, quando eu, ansioso por conhecê-lo, subi numa árvore, à beira do caminho por onde Ele passava, contentando-me com o ver de longe. Eis que Ele, amorável e bom, acena-me, dizendo: “Zaqueu, desce, importa que me hospede contigo”. Naquele dia entrou a salvação no meu lar.

Interpelemos Tomé, o incrédulo: Quando e onde nasceu o Mestre? Ele, por certo, retrucará: Jesus nasceu em Jerusalém, naquele dia memorável e inesquecível em que me foi dado testificar que a morte não tinha poder sobre o Filho de Deus. Só então compreendi o sentido de suas palavras: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.

Apelemos, finalmente, para Dimas, o bom ladrão: Onde e quando Jesus nasceu? Ele nos informará: Jesus nasceu no topo do Calvário, precisamente quando a cegueira e a maldade humanas supunham aniquilá-lo para sempre; dali Ele me dirigiu um olhar repassado de piedade e de ternura, que me fez esquecer todas as misérias deste mundo e antegozar as delícias do paraíso. Desde logo, senti-o em mim e eu nele.2

As respostas transmitidas pelos entrevistados nos fazem ver que o nascimento do Cristo, o local e a data, representam, efetivamente, o exato momento do despertar da nossa consciência para a sublimidade do Amor, ensinado e exemplificado por Jesus.

Para a Doutrina Espírita, Jesus é e sempre será “o tipo mais perfeito que Deus já ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo”.3 É válido, porém, deixar registrado que no meio acadêmico e entre os historiadores do Cristianismo configura-se nova metodologia de estudo da figura ímpar de Jesus, denominada Jesus Histórico. Trata-se de estudo crítico que não considera os axiomas religiosos e teológicos tradicionais nem os determinismos bíblicos que, na generalidade, revelam o Mestre Nazareno como o Filho de Deus ou o Messias prometido para a salvação da Humanidade.

Embora as reconstruções históricas variem, são concordantes em dois pontos: Jesus era um rabino judeu, que atraiu um pequeno grupo de galileus e, após um período de pregação, foi crucificado pelos romanos na Palestina, sob instigação dos sacerdotes judeus, durante o governo de Pôncio Pilatos.

A busca pelo Jesus Histórico foi iniciada pelo filósofo deísta alemão Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) que, junto com outros estudiosos, passaram a duvidar da historicidade relatada pelos textos sagrados, aceita sem controvérsias até o século XVIII, quando surgiu o movimento iluminista na Europa.Após a Primeira Guerra Mundial, os teólogos alemães Martin Dibelius (1883-1947) e Rudolf Karl Bultmann (1884-1976) compararam a mensagem original de Jesus (do Novo Testamento) à de outros textos, provenientes da época da igreja primitiva, identificando pontos concordantes e discordantes. Empregaram, então, dois métodos para chegarem às conclusões finais, publicadas posteriormente:

a) Redação criticista – trata-se de uma investigação a respeito de como cada escritor do Evangelho compilou seu livro, seguida de comparação com outros escritos e, também, com fontes orais;
b) Crítica formal – concluíram que os evangelhos (segundo Mateus,Marcos, Lucas e João) não foram escritos completos, originalmente, tal como os conhecemos nos dias atuais.Na verdade, são coleções de fatos separados, de tradições orais, mitos ou parábolas, propositalmente agrupados para formar uma coletânea, artificialmente elaborada, e destinada a divulgar práticas da igreja antiga. Dessa forma, a crítica formal tenta reconstruir os episódios originais, separando o que é fato histórico e o que é inclusão artificial.
Há outro ponto relevante: na busca pelo Jesus Histórico, alguns estudiosos fundamentam-se na chamada Fonte Q (de Quelle, nome alemão para fonte), uma coleção de Ditos de Jesus, que é uma tradição, oral ou escrita – não se sabe ao certo – amplamente difundida no mundo cristão da primeira metade do século I, e que serviu de base para a escritura dos evangelhos sinóticos, assim como para alguns apócrifos. Sendo assim, o documento Q, ou fonte Q, é hipoteticamente considerado como sendo o primeiro texto evangélico escrito, e que teria sido utilizado, mais tarde, por Mateus e Lucas, mas não por Marcos, na redação dos seus escritos, fato que justificaria as coincidências presentes no Evangelho de Lucas e de Mateus, e as diferenças com o de Marcos.

Em suma, munidos dos novos instrumentos da pesquisa hodierna, tais como história antiga, crítica literária, crítica textual, filologia, papirologia, arqueologia, geografia, religião comparada, os atuais pesquisadores tentam reconstruir o ambiente sociocultural de Jesus, de modo a experimentar o efeito que as palavras do Mestre produziram nos ouvintes da sua época. Nesse esforço, procura-se evitar juízos preconcebidos, premissas rígidas, preconceitos étnicos, deixando que a mensagem se estabeleça ainda que contrariamente às expectativas dos crentes atuais. No entanto, ao montar o quebra-cabeça da história do Cristianismo Primitivo com as escassas peças disponíveis, nem sempre é possível ao pesquisador humano dispensar certa dose de imaginação.4

Uma evidência poderosa já se destaca das conclusões dos pesquisadores: a grandeza do Cristo e a sublimidade da sua mensagem. Parâmetros pelos quais devemos nos guiar, sem jamais perder de vista qual é a plataforma do Mestre, como ensina Emmanuel:

Anunciou-nos a celeste revelação que Ele viria salvar-nos de nossos próprios pecados, libertar-nos da cadeia de nossos próprios erros, afastando-nos do egoísmo e do orgulho que ainda legislam para o nosso mundo consciencial.5

Assim, ante a bênção de mais um Natal, enderecemos ao Mestre a nossa eterna gratidão, louvando-o por meio dos vibrantes sentimentos do poeta Amaral Ornellas, expressos no poema Ante Jesus, reproduzido nesta página.6






Referências:

1VINÍCIUS. Em torno do mestre. 9. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Cap. Cristo nasceu? Onde? Quando?. p. 236.
2_____. _____. p. 236-237.
3KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 625.
4DIAS, Haroldo Dutra. Cristianismo redivivo: história da era apostólica, Novas perguntas. In: Reformador, ano 126, n. 2.146, p. 34(32)-36(34), jan. 2008.
5XAVIER, Francisco C. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 174, p. 386.
6_____. Antologia mediúnica do natal. Por Espíritos diversos. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Cap. 69.